sábado, janeiro 31, 2004
A lei da vida
Há uns tempos escrevi um pequeno texto ilustrado com uma fotografia de uma duna, num deserto escarlate, marcada com pegadas humanas. Aquelas linhas vieram-me a propósito de uma conversa que tive com uma amiga. Mais coisa menos coisa, o que acompanhava a fotografia era: Não é realmente mau que as coisas se vão, apenas lei da vida. Afinal, acabamos por irmo-nos com elas, como deve ser. Triste seria não nos darmos conta de que elas se vão, até um dia olharmos para trás e comprovarmos que as perdemos.
Queria dizer que há coisas que são como são, e nada se pode fazer para as mudar. O nosso tempo é vivido cumprindo as regras da vida e da morte, da Natureza. E isso não tem de ser bom ou mau. Há ciclos que começam e terminam nas nossas vidas, a maior parte deles para sempre, pois a vida é curta demais para as coisas se repetirem. Especialmente as coisas boas. Um novo ano começa agora, outro acabou. E em cada começo temos de aceitar as leis que a vida nos impõe, os desafios que nos exigem esforço e as derrotas que temos de enfrentar com dignidade. Cada qual luta sozinho, perseguindo as suas metas, guiados e impulsionados por esse instinto vital que nos empurra sempre para a frente, rumo àquela longínqua e inacessível linha do horizonte dos nossos sonhos. E a cada ano que passa, não ficamos mais novos. Quando somos jovens e forte, e temos o consolo da companhia na luta da vida, não nos apercebemos da solidão da viagem, pois viajamos juntos. Mas inevitavelmente chegará a altura em que nos apercebemos que a linha do horizonte é mesmo inalcançável e nos vemos sozinhos. São as regras. Outras harmoniosas Primaveras chegarão, Verões belíssimos e cheios de promessas virão, que os jovens de então irão disfrutar. Sabemos que esta história se irá repetir uma e outra vez, até ao fim dos tempos. É a lei da vida. Com dignidade, saberemos ver quando as coisas naturalmente se despedem. E quando percorrermos o fim do caminho, resignados e cansados da luta da vida, sorriremos e recordaremos.
Bitaites-[ Bitaites.]
Queria dizer que há coisas que são como são, e nada se pode fazer para as mudar. O nosso tempo é vivido cumprindo as regras da vida e da morte, da Natureza. E isso não tem de ser bom ou mau. Há ciclos que começam e terminam nas nossas vidas, a maior parte deles para sempre, pois a vida é curta demais para as coisas se repetirem. Especialmente as coisas boas. Um novo ano começa agora, outro acabou. E em cada começo temos de aceitar as leis que a vida nos impõe, os desafios que nos exigem esforço e as derrotas que temos de enfrentar com dignidade. Cada qual luta sozinho, perseguindo as suas metas, guiados e impulsionados por esse instinto vital que nos empurra sempre para a frente, rumo àquela longínqua e inacessível linha do horizonte dos nossos sonhos. E a cada ano que passa, não ficamos mais novos. Quando somos jovens e forte, e temos o consolo da companhia na luta da vida, não nos apercebemos da solidão da viagem, pois viajamos juntos. Mas inevitavelmente chegará a altura em que nos apercebemos que a linha do horizonte é mesmo inalcançável e nos vemos sozinhos. São as regras. Outras harmoniosas Primaveras chegarão, Verões belíssimos e cheios de promessas virão, que os jovens de então irão disfrutar. Sabemos que esta história se irá repetir uma e outra vez, até ao fim dos tempos. É a lei da vida. Com dignidade, saberemos ver quando as coisas naturalmente se despedem. E quando percorrermos o fim do caminho, resignados e cansados da luta da vida, sorriremos e recordaremos.
quarta-feira, janeiro 28, 2004
Lost in translation
No passado Domingo à noite fui ao cinema. Confesso que não estava com uma vontade muito grande de o fazer, mas ainda bem que o fiz. Sofia Coppola brindou-me com um filme que representa a tocante ternura num olhar sobre a problemática da essência humana. A insegurança emocional dos dois actores principais (brilhantes, ambos), a falta de sono provocada pelo jet-lag e pelo vazio que sentem, bem as peculiares características da capital japonesa, fazem com que Charlotte e Bob se aproximem, perdidos na vastidão e no ruído de Tóquio. Os seus olhares melancólicos desde o alto da janela dos seus quartos, os seus encontros no bar do luxuoso hotel, lugar de refúgio para as noites sem sono, acabam por fazer nascer entre os dois uma forte relação de cumplicidade. E com essa cumplicidade nasce também uma misteriosa atracção entre uma jovem que começa a vida e um actor de meia-idade com a carreira em declínio.
"Lost in Translation" é um filme de amor. Um amor que ultrapassa a amizade ou a ternura. Mas há uma tristeza infinita neste amor, diria mesmo melancolia. Melancolia porque aquele amor não se concretizou, porque dele apenas restará a saudade, a memória de uma semana marcante passada em Tóquio. Talvez aquele amor só fosse possível nas circunstâncias em que os dois se conhecem. Ambos sabiam que não seria permitido recomeçarem a vida com aquele amor. A vida de Charlotte e Bob só podia continuar depois de esses momentos breves, ainda que intensos, terem terminado. Ao som da excelente banda sonora escolhida por Sofia Coppola, vemos no final Bob segredar ternamente ao ouvido Charlotte, fazendo-a chorar. Achei espantoso a realizadora não nos permitir ouvir o que é dito. Num mundo das comunicações globais, do big brother constante, esse é um momento de intimidade entre os dois que não é permitido ao espectador. Fica a sensação de nostalgia e dor quando Bob parte e sabemos que o adeus está dito. Charlotte chora. Não havia futuro em conjunto para os dois e, sabendo disso, é-nos revelada a verdadeira beleza do filme. A saudade de um tempo que nunca virá e a certeza da complexidade da alma humana.
Bitaites-[ Bitaites.]
"Lost in Translation" é um filme de amor. Um amor que ultrapassa a amizade ou a ternura. Mas há uma tristeza infinita neste amor, diria mesmo melancolia. Melancolia porque aquele amor não se concretizou, porque dele apenas restará a saudade, a memória de uma semana marcante passada em Tóquio. Talvez aquele amor só fosse possível nas circunstâncias em que os dois se conhecem. Ambos sabiam que não seria permitido recomeçarem a vida com aquele amor. A vida de Charlotte e Bob só podia continuar depois de esses momentos breves, ainda que intensos, terem terminado. Ao som da excelente banda sonora escolhida por Sofia Coppola, vemos no final Bob segredar ternamente ao ouvido Charlotte, fazendo-a chorar. Achei espantoso a realizadora não nos permitir ouvir o que é dito. Num mundo das comunicações globais, do big brother constante, esse é um momento de intimidade entre os dois que não é permitido ao espectador. Fica a sensação de nostalgia e dor quando Bob parte e sabemos que o adeus está dito. Charlotte chora. Não havia futuro em conjunto para os dois e, sabendo disso, é-nos revelada a verdadeira beleza do filme. A saudade de um tempo que nunca virá e a certeza da complexidade da alma humana.
segunda-feira, janeiro 26, 2004
A morte chega cedo
A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.
O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.
E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.
Fernando Pessoa, "Cancioneiro"
Para o Miki
quinta-feira, janeiro 22, 2004
Um dia quando a ternura for a única regra da manhã
Um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o príncipio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.
José Luis Peixoto, "A criança em ruínas"
Bitaites-[ Bitaites.]
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o príncipio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.
José Luis Peixoto, "A criança em ruínas"
domingo, janeiro 18, 2004
Fragmentos de luz
Partimos a todo o gás, apertados entre as mochilas e as pranchas de surf, que nos tapam a vista parcialmente. Cádiz fica para trás e o que nos interessa agora são as praias dos arredores de Tarifa. O vento traz já o prenúncio do continente africano, Marrocos está quase ao alcance da vista. O tema de discussão é o tamanho das ondas que, segundo nos informaram, pode atingir quase três metros em dias bons. Eu sou o menos preocupado com o assunto, uma vez que ficarei encarregue de tirar fotografias às performances dos meus amigos.
A primeira paragem é feita na praia de Yerba Buena. Apesar do dia paradisíaco que se estende diante de nós, o panorama não nos atrai muito pois a praia parece ter demasiadas rochas para a prática de surf. E pelos espécimes que vi e fotografei em toalhas de praia envoltos em nuvens de fumo, compreendemos o eventual porquê do nome daquela praia... Seguimos então até à praia de El Palmar, na minha opinião a melhor para surfar. As ondas a quebrar na direita, dois metros no mínimo, vento oeste.
Durante as três horas que se seguiram, na zona perto da torre de pedra, tirei umas boas dezenas de fotografias. Envoltos numa esfera de azul opala, entre o céu e o mar, os corpos dos surfistas são captados nos seus movimentos mais ousados. O pointbreak de direita continua a bombar ondas, longas e grandes. A dada altura, o Juan faz um drop vertical numa onda enorme, e forma-se uma bola de espuma dentro do tubo. Como se fosse um castigo divino, a onda retira-lhe a estabilidade e ele cai aos trambolhões com um lip enorme a desabar por cima dele. Depois de vários segundos de massacre, aparece por detrás da onda, a rir-se. Estava tudo na câmara digital. Especialmente aquele riso.
Toda esta tarde ficou memorizada em fotografias. A captação do momento, aquele instante que jamais se irá repetir mas ficará para sempre, perpetuado pelo sentido visual de quem fotografou. É como se os meus olhos pudessem escrever. Como se pudessem testemunhar um momento fugaz e pintá-lo com tinta de luz. E guardar assim fragmentos da vida que se fez diante dos meus olhos, fragmentos de luz azul esverdeada, polvilhados por risos e momentos de pura alegria.
Bitaites-[ Bitaites.]
A primeira paragem é feita na praia de Yerba Buena. Apesar do dia paradisíaco que se estende diante de nós, o panorama não nos atrai muito pois a praia parece ter demasiadas rochas para a prática de surf. E pelos espécimes que vi e fotografei em toalhas de praia envoltos em nuvens de fumo, compreendemos o eventual porquê do nome daquela praia... Seguimos então até à praia de El Palmar, na minha opinião a melhor para surfar. As ondas a quebrar na direita, dois metros no mínimo, vento oeste.
Durante as três horas que se seguiram, na zona perto da torre de pedra, tirei umas boas dezenas de fotografias. Envoltos numa esfera de azul opala, entre o céu e o mar, os corpos dos surfistas são captados nos seus movimentos mais ousados. O pointbreak de direita continua a bombar ondas, longas e grandes. A dada altura, o Juan faz um drop vertical numa onda enorme, e forma-se uma bola de espuma dentro do tubo. Como se fosse um castigo divino, a onda retira-lhe a estabilidade e ele cai aos trambolhões com um lip enorme a desabar por cima dele. Depois de vários segundos de massacre, aparece por detrás da onda, a rir-se. Estava tudo na câmara digital. Especialmente aquele riso.
Toda esta tarde ficou memorizada em fotografias. A captação do momento, aquele instante que jamais se irá repetir mas ficará para sempre, perpetuado pelo sentido visual de quem fotografou. É como se os meus olhos pudessem escrever. Como se pudessem testemunhar um momento fugaz e pintá-lo com tinta de luz. E guardar assim fragmentos da vida que se fez diante dos meus olhos, fragmentos de luz azul esverdeada, polvilhados por risos e momentos de pura alegria.
terça-feira, janeiro 13, 2004
Tempestade
Isso é a luz da madrugada no teu cabelo
Ou são apenas diamantes brilhando,
Sem esperança nenhuma?
Esta chuva cai como morte
E transforma as ruas em rios.
Antes de partir olho a tempestade,
Esperando por ti.
Sufocas a verdade no teu peito.
Deixas as mentiras boiar nas poças,
Como náufragos que fogem
De um passado já morto e frio.
Antes de partir olho a tempestade,
Esperando por ti.
E todos os reinos de chuva desabam do céu
Enquanto espero por ti,
Enquanto espero por ti.
Deixarias a luz da madrugada brilhar no teu cabelo,
Embora não houvesse esperança nenhuma?
Deixarias as mentiras boiar nas poças,
Sufocando a verdade no teu peito?
Antes de partir olho a tempestade,
Esperando por ti.
E todos os reinos de chuva desabam do céu
Enquanto espero por ti,
Enquanto espero por ti.
Bitaites-[ Bitaites.]
Ou são apenas diamantes brilhando,
Sem esperança nenhuma?
Esta chuva cai como morte
E transforma as ruas em rios.
Antes de partir olho a tempestade,
Esperando por ti.
Sufocas a verdade no teu peito.
Deixas as mentiras boiar nas poças,
Como náufragos que fogem
De um passado já morto e frio.
Antes de partir olho a tempestade,
Esperando por ti.
E todos os reinos de chuva desabam do céu
Enquanto espero por ti,
Enquanto espero por ti.
Deixarias a luz da madrugada brilhar no teu cabelo,
Embora não houvesse esperança nenhuma?
Deixarias as mentiras boiar nas poças,
Sufocando a verdade no teu peito?
Antes de partir olho a tempestade,
Esperando por ti.
E todos os reinos de chuva desabam do céu
Enquanto espero por ti,
Enquanto espero por ti.
sexta-feira, janeiro 09, 2004
O atavismo
Muitos perguntam-se de onde viemos. Muitos outros querem saber para onde vamos. Outros pensam porque viemos parar a este sítio, especificamente, e não a outro? Porquê determinado local em vez de outro, qual o grau de aleatoriedade que preside ao nascimento de cada homem? Haverá, através do perpetuar das gerações na Terra, falhas que deslocalizem uma pessoa? Será o atavismo uma forma de a vida, geneticamente, tentar corrigir esses erros? O atavismo, essa propriedade que têm os animais e os vegetais de transmitir características suas aos descendentes, com intervalo de uma ou mais gerações, que tinham deixado de se manisfestar. As manifestações de atavismo são normalmente uma questão de sobrevivência. Poderá o atavismo, no Homem, ser um mecanismo biológico que o oriente na procura do local, por vezes longínquo, que os seus antepassados deixaram para trás nos confins do tempo? Como Luís Sepúlveda escreveu no seu “Patagónia Express”.
Acredito que haja homens que nascem no lugar errado. O acaso da vida atira-os para algum canto da Terra, mas esses homens guardam sempre alguma estranha lembrança de um lugar que nunca conheceram. Há pessoas que são totalmente indiferentes ao local onde nasceram e aos lugares que conheceram ao longo da vida. Apenas locais de passagem. Há quem viva toda uma vida como um estrangeiro entre os seus semelhantes, e se sinta indiferente a todas as vivências que teve. Um sentimento de misfit ou weirdo permanente e omnipresente.
Talvez esse sentimento de estranheza desperte o atavismo nos homens, e os leve a procurar muito longe, quem sabe em locais improváveis, um atractivo para uma vida que parece não ter sentido. Algo permanente, ao qual se possam ligar. Às vezes, encontram lugares onde sentem que pertencem. Lugares que são a casa que buscavam. Em cujas paisagens nunca antes avistadas, mas ainda assim familiares, assentarão a sua vida. Entre homens que nunca conheceram mas que lhes dizem algo, como se tivessem estado lá desde o seu nascimento. Alguns, enfim, deixam de procurar. O que nos leva a buscar as nossas raízes?
Bitaites-[ Bitaites.]
Acredito que haja homens que nascem no lugar errado. O acaso da vida atira-os para algum canto da Terra, mas esses homens guardam sempre alguma estranha lembrança de um lugar que nunca conheceram. Há pessoas que são totalmente indiferentes ao local onde nasceram e aos lugares que conheceram ao longo da vida. Apenas locais de passagem. Há quem viva toda uma vida como um estrangeiro entre os seus semelhantes, e se sinta indiferente a todas as vivências que teve. Um sentimento de misfit ou weirdo permanente e omnipresente.
Talvez esse sentimento de estranheza desperte o atavismo nos homens, e os leve a procurar muito longe, quem sabe em locais improváveis, um atractivo para uma vida que parece não ter sentido. Algo permanente, ao qual se possam ligar. Às vezes, encontram lugares onde sentem que pertencem. Lugares que são a casa que buscavam. Em cujas paisagens nunca antes avistadas, mas ainda assim familiares, assentarão a sua vida. Entre homens que nunca conheceram mas que lhes dizem algo, como se tivessem estado lá desde o seu nascimento. Alguns, enfim, deixam de procurar. O que nos leva a buscar as nossas raízes?
segunda-feira, janeiro 05, 2004
Os Borges
Ainda e sempre, Jorge Luís Borges. Um poema sobre as suas raízes e sobre os seus antepassados, os portugueses.
Los Borges
Nada o muy poco sé de mis mayores
Portugueses, los Borges: vaga gente
Que prosigue en mi carne, oscuramente,
Sus hábitos, rigores y temores.
Tenues como si nunca hubieran sido
Y ajenos a los trámites del arte,
Indescifrablemente forman parte
Del tiempo, de la tierra y del olvido.
Mejor así. Cumplida la faena,
Son Portugal, son la famosa gente
Que forzó las murallas del Oriente
Y se dio al mar y al otro mar de arena.
Son el rey que en el místico desierto
Se perdió y el que jura que no ha muerto.
Jorge Luis Borges, “El otro, el mismo”
Os Borges
Nada ou muito pouco sei dos meus antepassados
Portugueses, os Borges: vaga gente
Que prosegue na minha carne, obscuramente,
Os seus hábitos, rigores e temores.
Ténues como se nunca tivessem existido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente formam parte
Do tempo, da terra e do esquecimento.
Melhor assim. Cumprido o trabalho,
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E se deu ao mar e ao outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu e o que jura que não morreu.
Bitaites-[ Bitaites.]
Los Borges
Nada o muy poco sé de mis mayores
Portugueses, los Borges: vaga gente
Que prosigue en mi carne, oscuramente,
Sus hábitos, rigores y temores.
Tenues como si nunca hubieran sido
Y ajenos a los trámites del arte,
Indescifrablemente forman parte
Del tiempo, de la tierra y del olvido.
Mejor así. Cumplida la faena,
Son Portugal, son la famosa gente
Que forzó las murallas del Oriente
Y se dio al mar y al otro mar de arena.
Son el rey que en el místico desierto
Se perdió y el que jura que no ha muerto.
Jorge Luis Borges, “El otro, el mismo”
Os Borges
Nada ou muito pouco sei dos meus antepassados
Portugueses, os Borges: vaga gente
Que prosegue na minha carne, obscuramente,
Os seus hábitos, rigores e temores.
Ténues como se nunca tivessem existido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente formam parte
Do tempo, da terra e do esquecimento.
Melhor assim. Cumprido o trabalho,
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E se deu ao mar e ao outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu e o que jura que não morreu.