sexta-feira, novembro 28, 2003
Manhã de Novembro
É ainda muito cedo quando saio, apesar de ser Sábado. A manhã está luminosa e fria como um espelho de gelo. O céu é azul, azul e os raios de sol parecem solidificar, como que apanhados de surpresa pela manhã gelada. O vento sopra, felizmente não muito forte, mas o suficiente para me fazer esconder ainda mais atrás do cachecol e dos óculos escuros. Passam por mim dois casais, pouco mais novos que eu, abraçados os quatro. Queixam-se do frio e cantam “yo soy como el vino tinto”... ainda vêm da noite. Tomo o pequeno-almoço naquele cafézinho na Plaza Platería Martinez. Que sensação acolhedora, a de entrar num sítio quente e tomar um café con leche a fumegar, acompanhado de uma tostada con dulce de fresas. Escondo-me outra vez atrás dos óculos, do cachecol, das luvas e saio, recebendo todo o sol da manhã, e viro para a Calle Huertas. Está tanto frio que parece que o tempo parou. Gostava de ir a Navacerrada fazer umas pistas, penso enquanto subo e cruzo a Calle Jesús, onde jantei contigo ontem, antes de irmos ao Teatro Español, ali tão perto.
Mas hoje iremos a Aranjuez, pois aí encontraremos os nossos amigos e passaremos o dia. Em Aranjuez reverei o rio Tejo, ao qual os espanhóis chamam Tajo e prestam uma devoção e respeito como poucas vezes vi aos portugueses. A história de Aranjuez é a história do Tejo, tal como Lisboa o é também. Lembro-me de um dia de Verão de muito calor em que viemos de Aranjuez no Comboio dos Morangos... aquela locomotiva do século XIX, com as empregadas todas de farda à antiga, servindo morangos frescos que eram como um oásis no ardor da tarde...
Com o frio da manhã, tudo isso me parece muito longe e continuo a subir a rua, agradecendo o dia que está, pois para mim dias destes são como uma benção. Mais à frente viro à esquerda, na rua onde moras e me esperas, na rua com o nome mais bonito que conheço: Calle del Amor de Dios. E quando me falas da janela aberta, com o cabelo ao sol, e me abres a porta da rua e subo as escadas, sei que nunca esquecerei esta manhã. Tal como os raios de sol, estes momentos parecem eternizar-se, apanhados de surpresa pela manhã gelada.
Bitaites-[ Bitaites.]
Mas hoje iremos a Aranjuez, pois aí encontraremos os nossos amigos e passaremos o dia. Em Aranjuez reverei o rio Tejo, ao qual os espanhóis chamam Tajo e prestam uma devoção e respeito como poucas vezes vi aos portugueses. A história de Aranjuez é a história do Tejo, tal como Lisboa o é também. Lembro-me de um dia de Verão de muito calor em que viemos de Aranjuez no Comboio dos Morangos... aquela locomotiva do século XIX, com as empregadas todas de farda à antiga, servindo morangos frescos que eram como um oásis no ardor da tarde...
Com o frio da manhã, tudo isso me parece muito longe e continuo a subir a rua, agradecendo o dia que está, pois para mim dias destes são como uma benção. Mais à frente viro à esquerda, na rua onde moras e me esperas, na rua com o nome mais bonito que conheço: Calle del Amor de Dios. E quando me falas da janela aberta, com o cabelo ao sol, e me abres a porta da rua e subo as escadas, sei que nunca esquecerei esta manhã. Tal como os raios de sol, estes momentos parecem eternizar-se, apanhados de surpresa pela manhã gelada.
1000 katrapongueiros?...
Pois é, hoje reparei que a beluga já passou dos 1000 pageviewers, o que me surpreende, visto que só a reactivei no início de Novembro. Já é um número, para mim, admirável de pessoas que vieram até cá katrapongar...
O meu mais sincero "Boa noite e obrigados" a todos...
:)
Bitaites-[ Bitaites.]
O meu mais sincero "Boa noite e obrigados" a todos...
:)
terça-feira, novembro 25, 2003
Canción / Libertad
Como vou estar os próximos dias em Madrid, resolvi deixar-vos aqui parte de um poema de Lope de Vega, um poeta espanhol que muito aprecio.
Oh libertad preciosa,
No comparada al oro,
Ni al bien mayor de la espaciosa tierra,
Más rica y más gozosa
Que el precioso tesoro
Que el mar del sur entre su nácar cierra;
Con armas, sangre y guerra,
Con las vidas y famas,
Conquistado en el mundo;
Paz dulce, amor profundo
Que el mar aparta y a tu bien nos llamas;
En ti sola se anida
Oro, tesoro, paz, bien, gloria y vida!
(...)
Bitaites-[ Bitaites.]
Oh libertad preciosa,
No comparada al oro,
Ni al bien mayor de la espaciosa tierra,
Más rica y más gozosa
Que el precioso tesoro
Que el mar del sur entre su nácar cierra;
Con armas, sangre y guerra,
Con las vidas y famas,
Conquistado en el mundo;
Paz dulce, amor profundo
Que el mar aparta y a tu bien nos llamas;
En ti sola se anida
Oro, tesoro, paz, bien, gloria y vida!
(...)
domingo, novembro 23, 2003
Sonhei
"Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando dispertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são
Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida."
Fernando Pessoa, 28-9-1933.
Bitaites-[ Bitaites.]
Mas, quando dispertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são
Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida."
Fernando Pessoa, 28-9-1933.
quarta-feira, novembro 19, 2003
American beauty?
“Once I was a soldier
And I fought on foreign sands for you…”
Ao ver os noticiários e folheando as imateriais webpages dos jornais do mundo, tenho uma sensação de dejá vu quando leio as notícias relacionadas com o Iraque. O desperdício de vidas e o que podia ter sido, cortado para nunca mais. Para todo o sempre. Os mortos que se fizeram de ambos os lados por causa de uma guerra estúpida e ganaciosa. Vem-me à memória uma longuíssima viagem de comboio e um livro cravado a uma amiga, “Dear America: Letters Home from Vietnam”, que boa companhia fez durante o vasto trajecto. O livro é um testemunho, ao longo de cerca de 200 cartas, do que os jovens, homens e mulheres, passaram no Vietnam. Desde a sua ambientação, ao medo do Horror na batalha, à morte dos companheiros… são páginas de verdadeira honestidade, desabafos destinados aos seus familiares, amigos, filhos, mulheres e maridos...
Uma carta relatada por um jovem soldado dá conta de como uma patrulha, ao subir um monte árido e inóspito, encontra uma suave flor vermelha, sem espinhos, o que era uma novidade para eles num país onde toda a vegetação cortava e tinha espinhos. A flor, e o monte onde crescia, eram característicos do país onde estavam, um país de cortes e espinhos, de pouca esperança e grandes insucessos. Mas no meio de tudo isso, um pensamento amável, um gesto de auxílio ou mesmo uma pessoa humana poderiam sobressair e fazer face à morte que desabava sobre todos... apesar de um dia tudo aquilo ir ser bombardeado com napalm, e a flor arder e morrer entre os espinhos, aquela flor viveria sempre na memória daquele soldado exausto. Que morreu no Vietnam.
E, nos dias de hoje, vejo as imagens das crianças e dos civis iraquianos vivendo em miséria e perigo constante, e das dezenas de militares mortos semanalmente. E pergunto-me, haverá alguma inocência, simples beleza, naquela zona do mundo? E qual a utilidade de a beleza viver entre as bestas, se no fim morrerá por causa delas, no meio delas?
Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão...(José Luis Peixoto)
Mesmo que a patrulha nunca tivesse subido aquele monte, e o soldado nunca tivesse visto aquela flor ou escrito a carta em que a imortalizou, aquela flor teria existido na mesma, no meio da desolação e das plantas com espinhos e isso, por si próprio, seria uma recompensa. A flor era bela, o pensamento era amável, o gesto era amigo e a pessoa humana e meritória, não apenas porque alguém os reconhecesse como tais, mas porque existiram.
Bitaites-[ Bitaites.]
And I fought on foreign sands for you…”
Ao ver os noticiários e folheando as imateriais webpages dos jornais do mundo, tenho uma sensação de dejá vu quando leio as notícias relacionadas com o Iraque. O desperdício de vidas e o que podia ter sido, cortado para nunca mais. Para todo o sempre. Os mortos que se fizeram de ambos os lados por causa de uma guerra estúpida e ganaciosa. Vem-me à memória uma longuíssima viagem de comboio e um livro cravado a uma amiga, “Dear America: Letters Home from Vietnam”, que boa companhia fez durante o vasto trajecto. O livro é um testemunho, ao longo de cerca de 200 cartas, do que os jovens, homens e mulheres, passaram no Vietnam. Desde a sua ambientação, ao medo do Horror na batalha, à morte dos companheiros… são páginas de verdadeira honestidade, desabafos destinados aos seus familiares, amigos, filhos, mulheres e maridos...
Uma carta relatada por um jovem soldado dá conta de como uma patrulha, ao subir um monte árido e inóspito, encontra uma suave flor vermelha, sem espinhos, o que era uma novidade para eles num país onde toda a vegetação cortava e tinha espinhos. A flor, e o monte onde crescia, eram característicos do país onde estavam, um país de cortes e espinhos, de pouca esperança e grandes insucessos. Mas no meio de tudo isso, um pensamento amável, um gesto de auxílio ou mesmo uma pessoa humana poderiam sobressair e fazer face à morte que desabava sobre todos... apesar de um dia tudo aquilo ir ser bombardeado com napalm, e a flor arder e morrer entre os espinhos, aquela flor viveria sempre na memória daquele soldado exausto. Que morreu no Vietnam.
E, nos dias de hoje, vejo as imagens das crianças e dos civis iraquianos vivendo em miséria e perigo constante, e das dezenas de militares mortos semanalmente. E pergunto-me, haverá alguma inocência, simples beleza, naquela zona do mundo? E qual a utilidade de a beleza viver entre as bestas, se no fim morrerá por causa delas, no meio delas?
Penso: talvez haja uma luz dentro dos homens, talvez uma claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão...(José Luis Peixoto)
Mesmo que a patrulha nunca tivesse subido aquele monte, e o soldado nunca tivesse visto aquela flor ou escrito a carta em que a imortalizou, aquela flor teria existido na mesma, no meio da desolação e das plantas com espinhos e isso, por si próprio, seria uma recompensa. A flor era bela, o pensamento era amável, o gesto era amigo e a pessoa humana e meritória, não apenas porque alguém os reconhecesse como tais, mas porque existiram.
domingo, novembro 16, 2003
O que esquecemos
Aconteceu este verão, num daqueles dias em que o calor caía implacável sobre tudo e o único destino admissível é o mar. No IC1 avisto uma nuvem de pó, carros a parar e um ambiente de certa confusão. Ao passar ao lado do acidente, vi uma cena idêntica a tantas imagens que uma pessoa tem na memória: um carro de rodas para o ar, uma mulher cambaleando, de boca aberta num grito. Dirigia-se a um homem que talvez tivesse saído antes do carro e que punha as mãos na cabeça, olhando o solo com ar incrédulo.
Como havia já muita gente a assisti-los, não houve necessidade de parar, mas a imagem daqueles dois ficou-me na cabeça, especialmente a expressão da mulher, o seu mudo grito escancarado diante do horror que a golpeou daquela maneira inesperada e brutal. Vivemos actualmente num tempo em que o homem consegue rodear-se de barreiras que dissimulam a existência da dor e da morte. Os nossos avós sabiam tudo isso, mas agora as pessoas calam os avós e metem-nos em asilos e hospitais para que morram atrás de biombos, e eles não nos puderam avisar. O truque é não vejo, logo ignoro. Ignoro, logo não existe. E movemo-nos na vida com uma segurança suicida, baseada na absoluta certeza, ou esperança, que nunca vamos sofrer, que a doença e a dor são coisas que acontecem aos outros e que nós não vamos morrer nunca.
Pelo facto de não pensarmos nisso, de a nossa actual forma de vida tão funcional e moderna – como somos bonitos e imortais agora - manter esse Horror em segundo plano - possível mas improvável – não impede que esse Horror esteja onde sempre esteve: à espreita, à espera de manifestar-se em toda a sua violência e crueldade. E, quando menos se espera, quando nos apaixonamos, quando acabamos o curso, dois dias depois de nascermos ou na véspera da tão ansiada reforma, o Horror chega e damos de caras com ele. E então a botija do gás explode, ou a queda é inevitável, ou o condutor não trava atempadamente. E tudo volta a ser como dantes. Como sempre foi e nunca deixou de ser, ainda que o tivéssemos esquecido. E, já sem estar preparado para isso, o ser humano vê-se confrontado com a sua fragilidade, com a sua condição mortal e a sua miséria.
Tudo isso é natural, são as regras. Sempre foi assim, desde o início do mundo e continuará a ser até ao fim dos tempos. A única coisa que nesta altura me parece injustificável é a surpresa, o gesto incrédulo do homem que põe as mãos na cabeça enquanto soa o grito sem som da mulher. Imperdoável a estúpida expressão de quem se pergunta como pode ser possível que isto me tenha acontecido a mim.
Bitaites-[ Bitaites.]
Como havia já muita gente a assisti-los, não houve necessidade de parar, mas a imagem daqueles dois ficou-me na cabeça, especialmente a expressão da mulher, o seu mudo grito escancarado diante do horror que a golpeou daquela maneira inesperada e brutal. Vivemos actualmente num tempo em que o homem consegue rodear-se de barreiras que dissimulam a existência da dor e da morte. Os nossos avós sabiam tudo isso, mas agora as pessoas calam os avós e metem-nos em asilos e hospitais para que morram atrás de biombos, e eles não nos puderam avisar. O truque é não vejo, logo ignoro. Ignoro, logo não existe. E movemo-nos na vida com uma segurança suicida, baseada na absoluta certeza, ou esperança, que nunca vamos sofrer, que a doença e a dor são coisas que acontecem aos outros e que nós não vamos morrer nunca.
Pelo facto de não pensarmos nisso, de a nossa actual forma de vida tão funcional e moderna – como somos bonitos e imortais agora - manter esse Horror em segundo plano - possível mas improvável – não impede que esse Horror esteja onde sempre esteve: à espreita, à espera de manifestar-se em toda a sua violência e crueldade. E, quando menos se espera, quando nos apaixonamos, quando acabamos o curso, dois dias depois de nascermos ou na véspera da tão ansiada reforma, o Horror chega e damos de caras com ele. E então a botija do gás explode, ou a queda é inevitável, ou o condutor não trava atempadamente. E tudo volta a ser como dantes. Como sempre foi e nunca deixou de ser, ainda que o tivéssemos esquecido. E, já sem estar preparado para isso, o ser humano vê-se confrontado com a sua fragilidade, com a sua condição mortal e a sua miséria.
Tudo isso é natural, são as regras. Sempre foi assim, desde o início do mundo e continuará a ser até ao fim dos tempos. A única coisa que nesta altura me parece injustificável é a surpresa, o gesto incrédulo do homem que põe as mãos na cabeça enquanto soa o grito sem som da mulher. Imperdoável a estúpida expressão de quem se pergunta como pode ser possível que isto me tenha acontecido a mim.
segunda-feira, novembro 10, 2003
O Alhambra
Foi há mais de 650 anos que os mouros construíram uma das obras mais belas que ainda hoje perduram. Na Sierra Nevada, em Granada, ficam os jardins do Alhambra. Este labirinto de luz e água, que suscita sonhos imediatos de mil e uma noites, princesas mouriscas e luares andaluzes... O Alhambra esmaga-nos de beleza. De manhã, ao entardecer, à noite num dos muitos bares de tapeo nas redondezas... quem já tapeou uma olla de San Antón em Granada, saboreando o gosto exótico das favas, sabe como é... as conversas e risadas explosivas dos andaluzes. Como é bonito ouvir falar o andaluz... um par de rapazes elogia o vestido de uma guapísima amiga: “Este es el último, ay!”. Como dizia Jorge Luís Borges, falam alto, como quem não conhece a dúvida.
Que afortunados e sábios homens, os que construíram e habitaram esta lenda, os califas do século XIII e XIV. Viveram no paraíso durante oito séculos, entre os seus palácios, o Generalife e a Alcazaba. Ainda hoje sinto essa magia aqui... quando nos convidam para uma copa de vino num pátio simples e florido, no bairro de El Albaycín, sem cobrar nada, só um convite para hablar con los portugueses... quando vejo uma rapariguita nórdica de lágrimas nos olhos, mirando deslumbrada o efeito dos repuxos de água do Generalife provocar o mais belo dos arco-íris.
E, saboreando o vinho, ouvindo o rumor longínquo das águas, fomos brindados pela única coisa que não quebra a paz desta tarde dourada. Joaquín, o andaluz que nos invitó a una copa, declama um poema de Jorge Luís Borges chamado “Alhambra”:
“Grata la voz del agua
a quien abrumaron negras arenas,
grato a la mano cóncava
el mármol circular de la columna,
gratos los finos laberintos del agua
entre los limoneros,
grata la música del zéjel,
grato el amor y grata la plegaria
dirigida a un Dios que está solo,
grato el jazmín.
Vano el alfanje
ante las largas lanzas de los muchos,
vano ser el mejor.
Grato sentir o presentir, rey doliente,
que tus dulzuras son adioses,
que te será negada la llave,
que la cruz del infiel borrará la luna,
que la tarde que miras es la última.”
Bitaites-[ Bitaites.]
Que afortunados e sábios homens, os que construíram e habitaram esta lenda, os califas do século XIII e XIV. Viveram no paraíso durante oito séculos, entre os seus palácios, o Generalife e a Alcazaba. Ainda hoje sinto essa magia aqui... quando nos convidam para uma copa de vino num pátio simples e florido, no bairro de El Albaycín, sem cobrar nada, só um convite para hablar con los portugueses... quando vejo uma rapariguita nórdica de lágrimas nos olhos, mirando deslumbrada o efeito dos repuxos de água do Generalife provocar o mais belo dos arco-íris.
E, saboreando o vinho, ouvindo o rumor longínquo das águas, fomos brindados pela única coisa que não quebra a paz desta tarde dourada. Joaquín, o andaluz que nos invitó a una copa, declama um poema de Jorge Luís Borges chamado “Alhambra”:
“Grata la voz del agua
a quien abrumaron negras arenas,
grato a la mano cóncava
el mármol circular de la columna,
gratos los finos laberintos del agua
entre los limoneros,
grata la música del zéjel,
grato el amor y grata la plegaria
dirigida a un Dios que está solo,
grato el jazmín.
Vano el alfanje
ante las largas lanzas de los muchos,
vano ser el mejor.
Grato sentir o presentir, rey doliente,
que tus dulzuras son adioses,
que te será negada la llave,
que la cruz del infiel borrará la luna,
que la tarde que miras es la última.”
sábado, novembro 08, 2003
Outono
No banco de madeira daquele jardim, observo os vendedores nas cercanias. Alguns casais trocam confidências. Com a companhia do crepúsculo cúmplice e o céu avermelhado entre as nuvens carregadas, que anuncia o fim de mais um dia, fumo um cigarro outonal. É bom entrever o sol rubro depois de uma chuvada de Outubro.
Por mais que me invada nestes momentos uma sensação de paz e confiança sobre o que há-de vir na vida, não deixo de reparar nas pessoas que passam. Cabeça baixa, olhos vazios, sem nada. Nem esperança, nem alegria, nem vislumbre de companhia. Quem sabe que demónios habitam o interior de cada um?
O tempo, sim, esse passa. Inexorável. Inadiável. Folhas amarelas e avermelhadas percorrem o chão. Caem das árvores e flutuam no ar, proclamando o fim de uma vida. O vento trá-las com delicadeza até ao seu encontro final com o solo molhado. Lá, as brisas do Outono vão brincar com as folhas moribundas e transformar a tristeza em alegria. As folhas do outono dão cambalhotas, unem-se umas às outras e giram em círculos, misturadas na chuva macia, nos relvados serenos...
Bitaites-[ Bitaites.]
Por mais que me invada nestes momentos uma sensação de paz e confiança sobre o que há-de vir na vida, não deixo de reparar nas pessoas que passam. Cabeça baixa, olhos vazios, sem nada. Nem esperança, nem alegria, nem vislumbre de companhia. Quem sabe que demónios habitam o interior de cada um?
O tempo, sim, esse passa. Inexorável. Inadiável. Folhas amarelas e avermelhadas percorrem o chão. Caem das árvores e flutuam no ar, proclamando o fim de uma vida. O vento trá-las com delicadeza até ao seu encontro final com o solo molhado. Lá, as brisas do Outono vão brincar com as folhas moribundas e transformar a tristeza em alegria. As folhas do outono dão cambalhotas, unem-se umas às outras e giram em círculos, misturadas na chuva macia, nos relvados serenos...
quinta-feira, novembro 06, 2003
Sal
Está a uns kilómetros de Vejer de la Frontera, não me recordo do nome da praia. Mas estava deserta naqueles dias, na Semana Santa. Nas redondezas a aparência é de viverem ali alguns grupos de pescadores, numa espantosamente bonita praia. Vivem da terra e da água, não há sequer comércio digno desse nome, para além do básico. Ao almoço comemos peixe fresquíssimo acabado de apanhar, cozinhado no que chamam comedor local.
À tarde descemos até à praia. O swell entra com força no pointbreak de direita, que é muito longo. O pessoal surfa, eu fico na areia a acabar um livro sobre o mar. The Sea Wolf, do Jack London. O apelo das ondas acaba por ser irresistível, acima do cuidado com a digestão e do fabuloso livro. O mar andaluz é como a sua gente, convidativo, ameno, que apetece perpetuar. Quando saio do mar, bem mais afastado do lado onde tinha entrado, deparo-me com um golfinho na areia. A pele escurecida pelo sol, o aspecto vagamente humano, a quietude. O olho visível está intacto e bem aberto, a fitar-me directamente.
"Olá", digo timidamente, mas o cadáver não responde.
Bitaites-[ Bitaites.]
À tarde descemos até à praia. O swell entra com força no pointbreak de direita, que é muito longo. O pessoal surfa, eu fico na areia a acabar um livro sobre o mar. The Sea Wolf, do Jack London. O apelo das ondas acaba por ser irresistível, acima do cuidado com a digestão e do fabuloso livro. O mar andaluz é como a sua gente, convidativo, ameno, que apetece perpetuar. Quando saio do mar, bem mais afastado do lado onde tinha entrado, deparo-me com um golfinho na areia. A pele escurecida pelo sol, o aspecto vagamente humano, a quietude. O olho visível está intacto e bem aberto, a fitar-me directamente.
"Olá", digo timidamente, mas o cadáver não responde.
quarta-feira, novembro 05, 2003
El día en que me quieras
Foi há uns anos que a ouvi pela primeira vez. Não me lembro onde. Ficou-me na memória a cadência melódica, e quando a voltei a ouvir de novo, nem sabia o seu nome. Ia a subir a Calle Alcalá, a caminho de casa, quando me chegaram aos ouvidos os acordes vibrantes da música. Era um pequeno bar, no qual nunca havia reparado, e entrei. O pianista tocava com ímpeto e a rapariga que o acompanhava cantava com uma voz impressionantemente sensual. Argentina, certamente. Alguns poucos pares dançavam na pista semi-vazia. Sem dúvida, era aquela música, aquele tango. Que tantas vezes ouvimos depois, e tentei dançar sem grande sucesso. El día en que me quieras...
Depois a vida continuou e durante muito tempo não ouvi mais esse tango de Gardel, e eventualmente acabei por esquecê-lo. Até há uns dias atrás, numa tarde de chuva, ter parado num velho café onde não se encontrava mais ninguém além de mim e do empregado. E foi então, enquanto a colher revolvia o misto de café e açucar na chávena, que ouvi os acordes e a voz de Gardel...
"...cómo ríe la vida
si tus ojos negros
me quieren mirar...
el día que me quieras
la rosa que engalana
se vestirá de fiesta
con su mejor color..."
E nesse momento, enquanto cantava baixinho a letra da música, lembrei-me. Lembrei-me de tudo, até da última vez que tinha escutado esta canção. Contigo, numa noite perto do Natal, com as árvores todas iluminadas e semi-cobertas por neve, no Paseo del Prado, a pensar no futuro. Já me tinha esquecido de como pode ser bonito um tango... El día en que me quieras...
Bitaites-[ Bitaites.]
Depois a vida continuou e durante muito tempo não ouvi mais esse tango de Gardel, e eventualmente acabei por esquecê-lo. Até há uns dias atrás, numa tarde de chuva, ter parado num velho café onde não se encontrava mais ninguém além de mim e do empregado. E foi então, enquanto a colher revolvia o misto de café e açucar na chávena, que ouvi os acordes e a voz de Gardel...
"...cómo ríe la vida
si tus ojos negros
me quieren mirar...
el día que me quieras
la rosa que engalana
se vestirá de fiesta
con su mejor color..."
E nesse momento, enquanto cantava baixinho a letra da música, lembrei-me. Lembrei-me de tudo, até da última vez que tinha escutado esta canção. Contigo, numa noite perto do Natal, com as árvores todas iluminadas e semi-cobertas por neve, no Paseo del Prado, a pensar no futuro. Já me tinha esquecido de como pode ser bonito um tango... El día en que me quieras...
terça-feira, novembro 04, 2003
Blogo-greve d'Os Marretas?
Alguém me sabe dizer o que aconteceu ao Blogue dos Marretas hoje? Já fui lá de manhã, à hora do almoço e a ao fim da tarde e a página dá sempre erro. O último post que aparece é das 10h14 da matina e desapareceram os comentários...
Será que os Marretas fizeram a primeira blogo-greve da História ou um erro técnico impede os velhotes Statler, Waldorf e Animal (sim, Animal, tal como a identidade do Pipi, a tua idade já é conhecida!) de terem a sua beluga a carburar a 100%?
Ou ainda, já estariam fartos de nos aturar?
Quem souber algo, que me informe,... à marretada! :)
Bitaites-[ Bitaites.]
Será que os Marretas fizeram a primeira blogo-greve da História ou um erro técnico impede os velhotes Statler, Waldorf e Animal (sim, Animal, tal como a identidade do Pipi, a tua idade já é conhecida!) de terem a sua beluga a carburar a 100%?
Ou ainda, já estariam fartos de nos aturar?
Quem souber algo, que me informe,... à marretada! :)
O Tempo...
... esse grande escultor. Sempre foi e será sempre o maior inimigo do homem. Será? Li há tempos um artigo que relacionava a expansão do espaço com a contracção do tempo, no âmbito de uma análise económica sobre o mundo dos negócios. Em suma, situando-nos na "auto-estrada do futuro", simplica-se a questão a uma nova dependência do trinómio tempo, espaço, velocidade. O que dantes demorava meses, passou a ter de ser feito em dias, depois em minutos, depois em segundos, para se aproximar do quase zero segundos.
Em suma, os passos passaram do "fá-lo" para:
"fá-lo mais rápido" "fá-lo ainda mais rápido" "fá-lo agora"
Estará no futuro a nossa maneira de viver condicionada pela gestão do tempo que nos permitem os nossos patrões e os nossos operadores tecnológicos (telecomunicações, internet, banca)? Assemelhar-se-à o nosso dia-a-dia à instantaniedade e imediatez do blog? Aumentar a velocidade (tempo) e reduzir o espaço trar-nos-à melhor qualidade de vida?
Não o sei dizer, e creio que só nos próximos dois / três anos se poderá ter um vislumbre disso. Mas, como escreveu a Madalena, também quero mais tempo...
Bitaites-[ Bitaites.]
Em suma, os passos passaram do "fá-lo" para:
Estará no futuro a nossa maneira de viver condicionada pela gestão do tempo que nos permitem os nossos patrões e os nossos operadores tecnológicos (telecomunicações, internet, banca)? Assemelhar-se-à o nosso dia-a-dia à instantaniedade e imediatez do blog? Aumentar a velocidade (tempo) e reduzir o espaço trar-nos-à melhor qualidade de vida?
Não o sei dizer, e creio que só nos próximos dois / três anos se poderá ter um vislumbre disso. Mas, como escreveu a Madalena, também quero mais tempo...
segunda-feira, novembro 03, 2003
Os inquéritos
Pergunta o Público nos últimos dias se concordamos com a reestruturação da EDP à custa do sobrecarregar das facturas dos clientes finais. Aconselho a irem lá e votarem, também para verem a quantidade de pessoas que concorda...
Mesmo acima há um inquérito a avaliar o mandato de Santana Lopes à frente da CML. Do Muito Bom ao Muito Mau, faltam duas alíneas de votação: "Muito bom se pagar, na sua factura da electricidade, os custos da reestruturação da EDP" e "Muito mau se pagar, na factura da CML, os custos de 15 milhões de euros do sr. Frank Gehry".
Bitaites-[ Bitaites.]
Mesmo acima há um inquérito a avaliar o mandato de Santana Lopes à frente da CML. Do Muito Bom ao Muito Mau, faltam duas alíneas de votação: "Muito bom se pagar, na sua factura da electricidade, os custos da reestruturação da EDP" e "Muito mau se pagar, na factura da CML, os custos de 15 milhões de euros do sr. Frank Gehry".
O bom filho...
... à beluga torna! Pois, pois! Afinal, mesmo com a perda total do template e tudo, acabei por voltar a apostar no Katraponga, a pedido de ínumeras famílias.
Não vou deixar de postar no Encapuzado, como é obvio. E vou continuar a comentar as belugas que me parecem interessantes manter como leitura habitual, dentro de âmbitos bem diversos.
Tébreve!
Bitaites-[ Bitaites.]
Não vou deixar de postar no Encapuzado, como é obvio. E vou continuar a comentar as belugas que me parecem interessantes manter como leitura habitual, dentro de âmbitos bem diversos.
Tébreve!